Antes e depois da água chegar

Gabriel Luz Siqueira de Aquino Vieira

Bolsista PIBIC

Estoque de tubulações destinadas ao primeiro Sistema de Abastecimento de Água de Florianópolis (local próximo à atual Casas da Água). (VERZBICKAS, 2016)

Implantação da rede de água na área central de Florianópolis, em 1910, foi pioneira no saneamento do Estado. (VERZBICKAS, 2016)

Captada dos mananciais Ana D’Ávila, no bairro do Itacorubi, e do Morro da Lagoa da Conceição, impulsionada até o reservatório, localizado no Morro da Caixa, na região central da ilha, para depois ser mandada morro abaixo, em direção às casas e as torneiras públicas que eram atendidas pelas redes de distribuição, sendo elas localizadas no Centro, no Saco dos Limões e na Agronômica (PASSOS; OROFINO, 2021; CASAN, 2015; CULLETON, 2016). Esse era o caminho que a água percorria no primeiro sistema de água da cidade de Florianópolis, que fora inaugurado no ano de 1910. Mas ainda que fosse a localidade do reservatório, o Morro da Caixa não era atendido pelo mesmo. A questão que levanto aqui é: por que as pessoas que residiam no Morro da Caixa não eram atendidas por essa rede, sendo que a caixa d’água já estava lá?

“Em seu livro “Saneamento em Dois Tempos, Desterro e Florianópolis”, o historiador e engenheiro Átila Ramos publica ilustração de sua autoria, reproduzindo a construção dos Castelinhos e fazendo uma menção “ao trabalho anônimo dos criados, escravos, feitores, capatazes, operários e mestres”, todos participantes diretos das primeiras obras estruturais de saneamento de Santa Catarina” (VERZBICKAS, 2016)

Trago essa ilustração de Átila Ramos presente em seu livro Saneamento em Dois Tempos, Desterro e Florianópolis, mas que encontrei no livro da CASAN (VERZBICKAS, 2016) – a Companhia Catarinense de Águas e Saneamento -, para nos ajudar a pensar e aprofundar o questionamento acima. Na ilustração, podemos ver um dos personagens da rede de saneamento: o “castelinho”. 

Os castelinhos são casas de bombeamento que lançavam o esgoto para a estação de tratamento, essas obras faziam parte do conjunto da rede que coletava os esgotos da área central da cidade (PASSOS; OROFINO, 2021). Eles ainda existem, não mais em funcionamento, mas estão preservados e podem ser encontrados na praça São Sebastião, na praça Celso Ramos e nas proximidades da praça XV de Novembro (ibid). 

A partir das fotografias e da ilustração acima podemos observar que o trabalho de pessoas negras foi de grande importância para a construção de tanto do sistema de saneamento e quanto para o de água da capital. Entretanto, foram elas beneficiadas com isso?

A imagem mostra o Reservatório R0 do Morro da Caixa, na parte Central de Florianópolis. (VERZBICKAS, 2016)

Como apontado anteriormente, o reservatório se encontrava no Morro da Caixa, que na época era chamado de Morro do Antão, localidade onde grande parte de seus moradores que estavam ali desde seu povoamento inicial em 1860 eram descendentes de escravos libertos, mesmo tendo participado das obras, não foram contemplados com o sistema (CULLETON, 2019). Depois de muita luta política por meio do conselho comunitário dos moradores do Morro da Caixa (ANJOS, 2016; CULLETON, 2019), somente na década de 1980, mais de setenta anos depois da instalação do reservatório na comunidade, que os moradores do Morro da Caixa tiveram acesso ao sistema de água encanada. 

Nos dias de hoje, com o aumento da população na cidade, ocorreram mudanças no sistema de água. Apesar do antigo reservatório ainda ser utilizado (CASAN, 2019), atualmente a água é retirada do Rio Cubatão e de seu afluente, o Rio Vargem do Braço e essas águas são levadas para a Estação de Tratamento de Água (ETA) – que foi inaugurada na década de 90 – na Palhoça (FISCHER, 2009; CASAN, 2021). Ao chegar na estação, ela passa por processos químicos e depois é mandada para a área central e continental de Florianópolis, que é quem essa ETA atende (ibid).

Penso que a imagem da década de 1910, aquela que captura a inauguração da caixa d’água no morro, é extremamente pertinente, temos uma caixa d’água ali, porém que não abastecia aquela localidade e sim a área central – local onde estavam, entre tantas outras, as casas das famílias da grande sociedade florianopolitana, para pensarmos os porquês dessa forma de distribuição. Olhe para a foto abaixo, será que nela está presente algum dos trabalhadores que estavam nas fotos anteriores? Vamos até mais além, haveria algum morador do morro da caixa nessa fotografia?

Grande festa para a inauguração da caixa d’água em 1910 (Foto: autor desconhecido) (CULLETON, 2019)

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANJOS, Priscila dos. Próxima Parada: monte serrat. 2016. 5 f. TCC (Graduação) – Curso de Jornalismo, Centro de Comunicação e Expressão, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2016. Disponível em: https://readymag.com/jorufsc/proximaparadamonteserrat/. Acesso em: 07 out. 2021.

CASAN. ÁREA HISTÓRICA DE FLORIANÓPOLIS CEDIDA PELA CASAN É TRANSFORMADA EM PRAÇA. 2019. Disponível em: https://www.casan.com.br/noticia/index/url/area-historica-de-florianopolis-cedida-pela-casan-e-transformada-em-praca#0. Acesso em: 08 out. 2021.

CASAN (Florianópolis). CASAN MONITORA ABASTECIMENTO NO MORRO DA CAIXA. 2015. Disponível em: https://www.casan.com.br/noticia/index/url/casan-monitora-abastecimento-no-morro-da-caixa#0. Acesso em: 7 out. 2021.

CASAN (Florianópolis). HISTÓRIA DO SANEAMENTO BÁSICO EM SANTA CATARINA. 2021. Texto e Ilustrações: Átila Alcides Ramos. Disponível em: https://www.casan.com.br/menu-conteudo/index/url/historia-do-saneamento-basico-em-santa-catarina-3#0. Acesso em: 11 out. 2021.

CULLETON, Billy. Morro do Centro com caixa d’água desde 1910, e que só teve água encanada 70 anos depois, ganha primeira praça. 2019. Disponível em: https://floripacentro.com.br/morro-do-centro-com-caixa-dagua-desde-1910-e-que-so-teve-agua-encanada-70-anos-depois-ganha-primeira-praca/. Acesso em: 01 out. 2021.

FISCHER, Andréa. Água de beber. 2009. Disponível em: http://floripamanha.org/2009/07/agua-de-beber/. Acesso em: 08 out. 2021.

PASSOS, Elsom Bertoldo dos; OROFINO, Flávia Vieira Guimarães. O SANEAMENTO BÁSICO NA ILHA. Disponível em: https://www.pmf.sc.gov.br/arquivos/arquivos/pdf/23_11_2011_16.04.08.3c549ad278f65913f5e26edb9314b811.pdf. Acesso em: 01 out. 2021.


VERZBICKAS, Karin (ed.). Casan 45 Anos: uma história cheia de futuro. Florianópolis: Fábrica de Comunicação, 2016. Coordenação: Ricardo Stefanelli. Disponível em: https://www.casan.com.br/ckfinder/userfiles/images/Noticias_Conteudo/LIVRO_CASAN_WEB(1).pdf. Acesso em: 01 out. 2021.