Desabastecimento para quem? Abastecimento para o quê?

Hanyelle Anjos
Bolsista PIBIC/UFSC

Palavras-chave: Crise hídrica; Infraestruturas; Feral Atlas.

Reportagem: ‘Cortam aqui para não faltar em BH’: famílias de MG já vivem crise hídrica

Para a antropóloga e professora Anna Tsing (2021, p. 177):

Em inglês, o termo “feral” se refere a animais que escaparam da domesticação. Ampliamos o termo para destacar como seres vivos e não vivos podem ganhar novos poderes ao se associarem aos projetos humanos modificadores da terra, da água e da atmosfera que chamamos de infraestruturas.

Para a estudante Rafaela Maria Leite, 26 anos, mãe de duas filhas: 

Pratos e talheres, em sua casa, só descartáveis: assim não é preciso lavá-los. Para beber e cozinhar, utilizam água mineral comprada na venda do bairro por cerca de R$ 15 (garrafa com 20 litros).

É o que ela compartilha com o jornalista Leandro Aguiar, ao comentar a nada distante crise hídrica que assola o município de Ribeirão das Neves (MG), em 2021.
A reportagem aborda a desigualdade social de forma muito pertinente, porém esse relato da jovem estudante foi particularmente intrigante, pois ao mesmo tempo que soa contraditório à definição de Anna Tsing, revela com muita sutileza as facetas complexas de situações “simples”.
Nesse caso, é justamente a falta de infraestrutura que causa uma superpotência ao plástico. Pensando em uma cadeia de ações – podemos supor que esse não é um cenário isolado pois a falta de água é uma realidade sentida na pele por muitos brasileiros – é possível se questionar se esse plástico que as pessoas utilizam para se proteger da escassez não é um dos grandes contribuintes para essa falta. 1 Kg de plástico utiliza em média 180 Litros de água, enquanto, de acordo com as nações unidas uma pessoa necessita de 110 Litros de por dia para atender as necessidades de consumo e higiene. O paralelo é curioso pela quantidade, que é similar para seres tão distintos. Talvez essa seja a “feralidade”.

Daiana Silveira Queiroz e o filho Davi, moradores de Sarzedo (outro município mineiro que sofre com a crise), observam seus respectivos reflexos na caixa d’água feita de polietileno – plástico conhecido por ser leve, flexível e de fácil manutenção, em contraste com o rígido e quebradiço sistema de abastecimento.

Confira também os plásticos no Feral Atlas:

O Atlas possui dois tipos de relatos envolvendo o material, confira

  1. O caso das vacas urbanas da índia que acabaram acrescentando o resíduo na dieta: https://feralatlas.supdigital.org/poster/plastics-saturate-us-inside-and-outside-our-bodies
  2. As qualidades ferais dos micro-plásticos ao redor do mundo: https://feralatlas.supdigital.org/poster/this-is-our-culture-turned-inside-out

Referência Bibliográfica

TSING, Anna. O Antropoceno mais que Humano. Ilha – Revista de Antropologia, Florianópolis, v. 23, n. 1, p. 176-191, 2021. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/ilha/article/view/75732/45505. Acesso em: 17 out. 2021.