Os misteriosos destinos hidráulicos da Desterro de 1910.

Hanyelle Anjos
Bolsista PIBIC/UFSC

Palavras-chave: Abastecimento de água; Desigualdade social; Cartografia das água.

Com uma rápida busca sobre a história do saneamento de Florianópolis facilmente se chega às seguintes informações: em 1909 começam as grandes obras, e em 1910 o reservatório do antigo morro do Antão (atual Monte Serrat) e todo o sistema de abastecimento de água da cidade foi implantado. De início esses dados nos bastaram para pensar questões inaugurais, o desafio foi pensar de onde estava vindo essa água e para onde que ela estava indo, pois como bem investigado pelo Gabriel Luz, apesar do bairro sediar uma das infraestruturas mais essenciais na distribuição de água potável, o Morro d`Caixa só foi receber o serviço 70 anos depois. 

Então, para onde ia a água? De acordo com o engenheiro e artista visual Átila Ramos [s.d.] Florianópolis em 1914 tinha por volta de 14 mil habitantes e mais para a metade do século, em 1940, o município chegava ao marco de 24.000 residentes, mas como estava distribuída essa população? Traçando um paralelo com o mapa abaixo retirado do estudo sobre o crescimento urbano de Florianópolis de 2015.

Localização dos povoamentos açorianos século XVII E XVIII. Fonte: IBGE, 2010, IPHAN/SC, 2009 apud PEREIRA, 1990 e elaboração do Consórcio IDOM-COBRAPE – modificado pela autora.

É possível perceber que um número expressivo dos povoamentos açorianos se concentrava na área mais central da cidade, apesar dessa comunidade não ser uma massa homogênea e não refletir por completo a densidade populacional da região, seria este um indício de quais áreas teriam prioridade no abastecimento de água?

Talvez, pois como demonstra a história de várias cidades brasileiras, saneamento há muito tempo tem uma relação estreita com cidadania. 

 Ilustração sobre a canalização rio Bulha. Fonte: Átila Ramos [s.d.]

De acordo com Ruchaud (2015, p. 20), o rio da Bulha, atual Av. Hercílio Luz, foi o local de moradia daqueles que não tinham oportunidades de se inserir na cidade formal. O córrego era desprovido de planejamento e já nessa época sofria com o despejo de dejetos, mas em 1920 com a canalização do rio, a área foi revetalizada e os moradores que segundo Veiga (2010, p. 147) eram “trabalhadores modestos, provenientes das pequenas indústrias, do comércio e do funcionalismo público, contribuindo para o processo iniciante do adensamento da cidade” foram expulsos com o processo de higienização que era comumente empregado no Brasil durante a década.

Com a valorização da avenida, a população pobre desalojada iniciou o deslocamento para as áreas mais periféricas da cidade, o Morro d’Caixa foi um deles, mas de acordo com Peluso Junior (1981, p. 13) “O morro já apresentava ocupação em 1876, ainda que com casas isoladas, exceto nos lugares que correspondem às ruas Major Costa e Nestor Passos”. Então quem ali já habitava?

A primeira foi a lenta ocupação durante o século XIX, por escravos fugidos e libertos e soldados pobres que procuravam as imediações do caminho que atravessava o Morro como local de refúgio. […] A segunda fase ocorreu a partir da década de 1920, decorrente das mudanças urbanas sanitaristas que expulsaram os pobres da cidade. A terceira fase ocorreu durante as décadas de 1950 e 1960, com a imigração da população negra empobrecida de Biguaçu e Antônio Carlos que buscavam trabalho na construção civil. (SANTOS, 2009, p. 586)

Mesmo com a presença estratégica de um reservatório,  foi essa a população que recebeu água encanada apenas no final do século XX. Não sabemos com certeza se os imigrantes portugueses foram considerados prioridade no abastecimento, mas temos a completa certeza de que os esquecidos migraram para o final da fila pela forte correnteza da estratificação social.

Agora, quem recebia de fato essa água? Com base na nossa discussão, meu palpite é que as seguintes áreas abastecidas por essas primeiras adutoras foram:

Abastecimento central de Florianópolis – 1910

Fonte: Autoria própria, baseado em IBGE, 2010, IPHAN/SC, 2009 apud PEREIRA, 1990 e elaboração do Consórcio IDOM-COBRAPE

Mas e você? Comente aí onde você acha que o abastecimento chegou primeiro! se tiver alguma informação sobre, compartilhe com a gente, nos ajude a colher informações sobre o abastecimento da ilha! 😉

Referência Bibliográfica

RAMOS, Átila Alcide. História do saneamento  básico de Florianópolis. CASAN, [s.d.]. Disponível em: https://www.casan.com.br/menu-conteudo/index/url/historia-do-saneamento-basico-de-florianopolis#0https://www.casan.com.br/menu-conteudo/index/url/historia-do-saneamento-basico-de-florianopolis%230. Acesso em: 11 out. 2021.

CULLETON, Billy. Morro do Centro com caixa d’água desde 1910, e que só teve água encanada 70 anos depois, ganha primeira praça. 2019. Disponível em: https://floripacentro.com.br/morro-do-centro-com-caixa-dagua-desde-1910-e-que-so-teve-agua-encanada-70-anos-depois-ganha-primeira-praca/. Acesso em: 01 out. 2021

VEIGA, Eliane Veras da. Florianópolis: Memória Urbana. Florianópolis: Fundação Franklin Cascaes Publicações, 2010. 463 p.

PELUSO JÚNIOR, Victor Antônio. Crescimento populacional de Florianópolis e suas repercussões no plano e na estrutura da cidade. Revista do Instituto Histórico e geogrpafico de Santa Catarina, Florianópolis, 3a fase, n. 03, p. 07-54, 1981. 

SANTOS, L. André. No Morro dos Avós: o Morro da Caixa (Monte Serrat). In: Do Mar ao Morro: A Geografia Histórica da Pobreza Urbana em Florianópolis. Tese de Geografia. UFSC. 2009.

RUCHAUD, Guilherme Galdo. Cidade, memória e narrativa: reflexões e propostas para a leitura e reconhecimento da história não-oficial. Trabalho de Conclusão de Curso de Arquitetura e Urbanismo. UFSC. 2015.MAIA, Cauane Gabriel Azevedo. “A revolução vem do pastinho”: escrevivências antropológicas sobre vozes negras em Florianópolis – SC. Dissertação de Antropologia Social. UFSC. 2018.