Sobre o Projeto

A água potável é um bem fundamental para a vida. Algumas ciências, como a biologia, a geologia ou a química, destacam o aspecto universal da água, suas características físicas e sua relação com a morfologia das paisagens. Nas ciências humanas se acrescenta a pergunta sobre como as águas permeiam aspectos religiosos, econômicos, históricos, políticos, geográficos. As relações entre pessoas e águas se localizam combinando diversidade cultural e desigualdade social nas condições e formas de acesso e cuidados com o abastecimento de água. Nosso projeto, centrado na Antropologia Social, olha para os diferentes significados das águas e formas de organização social em torno de dinâmicas ecológicas, em que mananciais de água potável, mais do que recurso econômico ou reserva natural, são agentes importantes na configuração das formas de habitar territórios.

Florianópolis é uma das três capitais brasileiras com grande parte de seu território localizado em uma ilha no Oceano Atlântico. Esta condição ambiental implica em desafios com relação ao abastecimento de água potável para diferentes regiões de seu território insular, imbricado de morros, lagoas, sertões e costas oceânicas. Historicamente, a ocupação dessas regiões foi realizada com o desenvolvimento de sistemas independentes de abastecimento de água, que atualmente coexistem com a infraestrutura mais ampla de abastecimento gerenciada pela Companhia Catarinense de Águas e Saneamento, a CASAN. Há em Florianópolis dezenas de sistemas independentes, ou seja, de formas de abastecimento de água que não são administrados pela CASAN, sendo gerenciados de formas diversas – por moradores, por empresas privadas, por conselhos comunitários e através de outros arranjos.

É com o objetivo de apreender, contribuir e fortalecer a participação das comunidades locais, no esforço de melhorar a gestão da água e do saneamento no município de Florianópolis, que o projeto Sistemas independentes de abastecimento de água propõe: (1) observar e descrever socialidades em torno da gestão da água em localidades onde a administração do abastecimento da água é feita pelos moradores ou outras formas associativas, (2) coletar relatos dos não acessos à água e narrativas de diferentes comunidades na cidade que compõem a história das infraestruturas de água na ilha, (3) contribuir com associações comunitárias nos espaços de planejamento e negociação das políticas para a captação e distribuição de água no município e (4) divulgar resultados da pesquisa, tornando públicos dados relevantes a respeito da gestão do acesso à água potável em Florianópolis para assim contribuir com debates no campo acadêmico e não acadêmico sobre o acesso diverso e desigual às infraestruturas de saneamento. As atividades de pesquisa deste projeto investem em diversas técnicas, como a descrição de redes sociotécnicas e cadeias operatórias de técnicas e práticas cotidianas, entrevistas abertas de narrativa biográfica, entrevistas dirigidas com pesquisadores e técnicos e etnografia audiovisual de paisagens e práticas cotidianas.

Investigar as relações que se dão a partir das práticas instituídas por tecnologias, como a do abastecimento urbano, significa entender que a qualidade de agentes e mediadores desta rede é tecida nas relações, não é dada de antemão separando de um lado ambiente natural e de outro infraestrutura construída, de um lado o recurso e de outro o uso social. Pelo contrário, as águas que pretendemos investigar nos sistemas independentes de abastecimento da cidade tem suas características produzidas nesta rede relacional e ao mesmo tempo compõem os corpos dos territórios, das pessoas e dos equipamentos em questão. Para conhecer essa diversidade hídrica, prestamos atenção às práticas diversas que animam essa rede, que permitem investigar as conexões e as exclusões entre agentes que transitam em fluxos vitais para o habitar diferentes paisagens da cidade, do topo do morro à margem do asfalto, do sertão à beira do mar.