Décadas e décadas arrumando a água

Em uma de nossas visitas à Barreira do Janga, fomos na intenção de conhecer o outro reservatório que eles possuem, o qual alimenta a parte de cima da comunidade. Nessa ocasião, conversamos com Flávio Júlio da Silva, mais conhecido como Júlio, sobre a história do sistema. Ele nos sugeriu conversar com alguns moradores da região, que participaram ativamente do começo desse sistema e moram ali desde que a comunidade possuía uma dezena de casas.

Ademar Oscar Barbosa, Mauro de Souza, Osni e Flávio Júlio da Silva são figuras de grande importância quando falamos sobre o sistema independente na Barreira do Janga, afinal, boa parte da história do sistema e da associação passa pelo trabalho deles. Os três primeiros nos deram depoimentos emocionados e orgulhosos do trabalho que fizeram, reconhecendo que ele gerou grandes frutos e foi a base para o que há na comunidade hoje em dia. Juntos, possuem muitas décadas trabalhando de graça para que a água possa ser distribuída na região – hoje Júlio recebe um salário por seu trabalho em tal sistema.

Antes de chegarem à Barreira do Janga, eles moravam em outras localidades do estado. Mauro vem de Siriú, município de Garopaba, e, ao chegar na capital, foi morar no Rio Tavares para depois acabar mudando para a comunidade. Já Ademar – um dos primeiros diretores da associação – é de Laranjal, que se localiza em Paulo Lopes. Ele se mudou para a capital em 58, primeiro morando no Saco Grande, e se mudou algumas vezes, entre elas, para o quilombo do Itacorubi, antes de se mudar em definitivo para a barreira.

Osni também é um dos moradores mais antigos da região e trabalhou até fazendo farinha ‒ de acordo com ele, na época existia um engenho de farinha na região. Ele veio de Ituporanga, interior de Santa Catarina. Foi secretário e tesoureiro e ajudou Ademar nas suas subidas para arrumar a água. Flávio Júlio da Silva vem de Minas Gerais e já havia morado na região, mas veio em definitivo para a Barreira do Janga há 5 anos. Ele tinha conhecidos na região, que vieram porque uma firma de saneamento básico – uma empreiteira da CASAN – contratava mão de obra de Minas Gerais para trabalhar na região. Hoje em dia, ele é funcionário da Associação Comunitária do Loteamento João Gonzaga da Costa e trabalha cuidando da água desde as cachoeiras até a casa do cliente  ‒ é ele quem arruma a água.

No começo o sistema funcionava com mangueiras de 3⁄4 e, quando ocorria algum problema, Mauro e Ademar eram as pessoas que iam resolver, ou melhor, arrumar a água. Na fala dos dois ficam expostos os perigos em ir mata adentro (muitas vezes à noite) para consertar o sistema – trabalho ainda feito por Júlio, que cuida do sistema hoje em dia. Frequentemente eles chegavam do trabalho à noite e faltava água, por causa de obstruções e rupturas que podem ocorrer nas mangueiras, tanto por entrada de galhos e folhas, quanto pelo desgaste que ocorre pelo uso do sistema. Isso resultava na empreitada de ter que adentrar o matagal utilizando uma lanterna para ir morro acima, passando por pedregulhos e procurando o problema na ligação, para poder resolver.

Ao longo do tempo, foram utilizadas várias táticas para fazer com que o sistema crescesse. Mauro e Ademar alegam que a associação foi fundada na década de 80 e que, com isso, mais pessoas vieram morar na Barreira. Na década de 90, quando Bulcão Viana foi prefeito, a associação solicitou mangueira para a prefeitura. Esse pedido resultou na concessão de 2000 metros de mangueira de uma polegada. 

Muito do dinheiro necessário para a expansão tanto da associação quanto do sistema veio de festas e bailes, feitos justamente com o intuito de arrecadar dinheiro. O crescimento da comunidade é notável ‒ de acordo com os entrevistados, quando eles chegaram na Barreira do Janga havia 10 casas. Na época em que a associação foi fundada, havia 190.  Hoje, há mais de 500 casas. O local cresceu por causa da água e do trabalho – gratuito  – que eles e outras pessoas prestaram na época.

Ademar, Mauro e Osni também participaram da construção das ruas da região, feita pela associação utilizando mão-de-obra dos próprios moradores da comunidade. A própria comunidade deu nome às ruas que ali existem. O arrumar a água feito por tantas pessoas que participaram da história da associação também diz respeito a conseguir fundos para ampliar a infraestrutura e a manutenção do sistema de água. Além disso, podemos pensar em como o arrumar a água, dar nome às ruas e o construir a associação também diz muito respeito às relações de solidariedade e organização social naquela vizinhança. Arrumar a água é, de certa maneira, arrumar essas relações e essa organização social.